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Mostrando postagens de maio, 2005

a crítica e a carapuça

No programa Provocações da TV Cultura, Antônio Abujamra entrevistava uma jovem escritora. No final, pediu para que ela olhasse para a câmera e falasse tudo o que tinha vontade. A moça, então, começou, com voz de revolta: “Críticos, vocês são apenas críticos!” Sim, concordo com ela. Mas se são apenas críticos, por que ela gastou com eles o espaço onde poderia falar “tudo o que tinha vontade e nunca teve chance de dizer”? Pelo jeito não são tão insignificantes assim na vida dela. Ela sequer conseguiu ignorá-los. Imagino que seja muito difícil mesmo ignorá-los, apesar de serem "apenas críticos". Muita gente diz menosprezá-los, escorraça-os, mas ao mesmo tempo gasta tempo, voz e textos e textos falando deles. Não posso dizer que as críticas não me afetam. Eu mesma tenho pescado algumas em textos e posts alheios, mesmo que não tenham sido feitas para mim. Acho que a carapuça serve às vezes. Vejo que o mais louco é que a mesma pessoa que malha os críticos, faz o papel de crítica

o orkut e os aniversários

Sempre me gabei por ter uma memória prodigiosa para os aniversários de amigos, parentes e conhecidos. Costumo, por exemplo, avisar as pessoas do aniversário de seus afilhados ou dos filhas de seus funcionários. Sempre fiz parte do grupo das amigas queridas, aquelas poucas que lembram todos os anos do seu aniversário e fazem questão de te ligar para dar os parabéns. Porém, este grupo seleto foi invadido. Lembrar dos aniversários já não é mérito nenhum. Hoje o orkut faz esta tarefa para nós. E eu, mesmo não precisando dos tais lembretes, sou uma entre os 50, 100, ou entre o tanto de pessoas que o aniversariante tenha em sua lista de contatos. Hoje, em vez do aniversariante receber algumas ligações das pessoas que realmente costumam lembrar de seu aniversário, ele recebe uma chuva de mensagens apressadas e repetitivas na seção de scraps. Até aquele amigo do amigo do amigo aparece lá, desejando-lhe um “ótimo dia”, um “feliz aniversário” ou um “parabéns”. Já é possível saber se a pessoa fez

passeio de ônibus

O ônibus freia. O corpo vai para frente e vai para trás. Volta a andar. Freia. O corpo vai para frente. Uma pausa. Vai para trás. Novamente em movimento. Um semáforo. Todos para a frente. Pausa. Expectativa. "Ué, não vai voltar para trás?" Aflição. "Se não voltar, vou ter um treco!" E o corpo vai novamante para trás. E assim, o ônibus continua em movimento.

alguém contando

Era daquelas adolescentes frescas e lindas. Cabelo comprido, liso, castanho claro. Vestia camiseta branca de uniforme. Sentada largadadamente no banco de trás de um carro grande e caro, distraia-se com suas unhas. O carro estava em uma cara avenida de São Paulo, parado no trânsito, no meio da tarde, horário em que alguns privilegiados têm a chance de rodar pelas ruas, atrás de seus compromissos fúteis e agradáveis. Outros rodam a trabalho, outros resolvem problemas, outros procuram emprego, ou vão à aula, outros encontram-se em situações desconfortáveis. E a menina olhava as unhas. Seu pensamento passeava e rodopiava dentro de sua mente. De repente levantou o braço direto. Esqueceu as unhas. Levou o nariz ao sovaco. Deu uma profunda cheirada. Depois de tudo checado, descansou o olhar na paisagem.

morar sozinha é...

dar risada alto e estanhar o próprio riso suspirar alto e estranhar o próprio suspiro gritar, rompendo o silêncio, e se assustar com o próprio grito sentir o cheiro da pipoca do vizinho e fazer uma panelada só para você (não vale de microondas) abrir uma garrafa de vinho inteira e tomar toda noite até que ele vire vinagre na geladeira usar este vinagre para temperar salada (bem, aí já é imaginação) ter sossego para imaginar cenas deprês como estas