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Mostrando postagens de abril, 2005

vamos contar comigo?

Não tenho cara para criticar o trabalho dos jornalistas. Fazer reportagem não é fácil. É preciso tirar a bunda da cadeira e ir atrás da notícia, procurar as melhores fontes, lidar com gente mal humorada, grossa ou que nunca tem tempo. E além disso, sentir o desespero quando o prazo está acabando e a entrevista com a fonte principal ainda não deu certo. Diante de tanta pressão e esforço para sobreviver no emprego é possível entender porque aqueles mais fracos são capazes de atitudes tão baixas e tentam compensar a sua grande insegurança com comportamentos egocêntricos ou com uma competitividade excessiva. Mas não é sobre isso que queria falar. Lembro-me de um texto que fiz há alguns anos quando era ainda uma estudante de jornalismo. Uma entrevista com o dono de um bistrô pouco conhecido localizado ao lado de uma conceituada pizzaria de Florianópolis. Praticamente todo o movimento de carros e pessoas no local se dirigia à pizzaria. Portanto, coloquei na matéria o seguinte título: “M

e se falassem tudo o que pensassem?

Ela viu a outra segurando a sacola da Betty Boop e não conseguiu mais tirar os olhos. Ela gostava da Betty, parecia com a personagem quando era criança; não pela sexualidade, mas sim porque era magrinha e tinha um cabeção. A outra perguntava-se: “Por que esta menina me olha tanto? Estou ficando incomodada”. E ela pensava: “Nossa, a moça deve estar estranhando eu olhá-la tanto assim. Mas que droga! Não estou olhando para ela, mas para a sacola. Onde será que arranjou?” Quando a outra mirava o olhar para a sua direção, ela virava a cabeça para disfarçar. Continuaram nesta situação desconfortável até o ônibus chegar. Imagino como seria se tivessem falado uma para a outra os seus pensamentos. Acho que teriam esclarecido tudo e saído aliviadas. Mas não se conheciam e não tinham o hábito de falar o que dá na telha para desconhecidos. Além disso, são apenas detalhes de uma breve passagem do cotidiano. Agora deixemos nossas personagens em paz, pois em alguns segundos esquecerão este incômodo,

o corvo na cidade

Estes dias admirei um documentário transmitido pela TV Cultura. Era um tipo de matéria que gostaria de ter feito se trabalhasse neste ramo. Mostrava como os animais silvestres se adaptam à vida das grandes cidades e usam o tráfego e os códigos urbanos a seu favor. O primeiro exemplo foi de um corvo que tinha uma noz no bico. Como fazer para quebrá-la? Era muito dura. Por isso, ele deixou a noz no meio da avenida e do fio de energia ficou observando-a. Os carros, em alta velocidade, passaram por cima da noz e quebraram-na. Então, o corvo desceu para pegá-la, mas percebeu que corria perigo no meio do trânsito intenso. Voltou, então, ao seu fio e esperou o sinal fechar. Agora, sim! O pássaro pôde comer tranqüilamente no meio da avenida.

duas passantes e um passante

Por que observo tantas coisas do ônibus? É claro! Não tenho a preocupação de dirigir, portanto, posso ficar com a cara encostada na janela olhando calmamente o que se passa lá fora. Nesta semana, duas passantes me chamaram a atenção. Talvez porque ambas estivessem de calça e sapatos pretos, diferenciando-se entre si apenas pela cor das blusas e dos cabelos: a loira vestia blusa laranja e a morena, azul. Além do mais, a calçada estava vazia e as duas passeavam de braços dados. Não pareciam lésbicas e sim, amigas queridas. Eis que um homem vem em direção às duas; passa por elas e as olha. Assim que elas ficam para trás, ele dá mais uns dois passos e vira a cabeça para trás, mirando sem hesitar na bunda das moças. Distraídas, provavelmente elas nem imaginam que as suas traseiras estavam sendo examinadas. Já vi este tipo de cena várias vezes, em diferentes cidades, geralmente do ônibus. Parece ser mais forte que eles. É como se ao ver a frente de uma mulher interessante, um ímã puxasse a

bebê seguro de si

Em seu carrinho confortável, escuro, estava protegido de quase toda a agitação do metrô. Assistia a tudo, como se estivesse em uma redoma, àquelas pessoas grandes, sentadas ou em pé com a aparência cansada, apática. Mas desprezava os sentimentos alheios, apenas olhava. Na verdade, estava mais entretido com seus pezinhos, os quais ele insistia em manter para o alto, apoiados na mesinha de refeições do carrinho. O fato de ser muitas vezes menor do que os outros ao redor não o intimidava. Estava seguro e tranqüilo na sua posição de bebê, curtindo sossegadamente o seu nada a fazer, assessorado por seus pais, sempre ao seu dispor. Mirei em um de seus olhinhos, brilhantes. Quis chamar a sua atenção, como fazemos geralmente com os bebês. Acho que me olhou durante algum tempo, mas sem nenhuma surpresa, sem nenhum sorriso. Com suas calças verde-água de algodão macio e um paninho fresquinho e branquinho deixado suavemente em cima de sua barriga, era como se estivesse há uns 30 anos no mundo. Car

nas calçadas

Ele dorme na calçada. Sempre está na calçada, às vezes está do outro lado da rua. Em alguns dias, fala alto, afobado, palavras sem sentido, ininteligíveis; em alguns dias, está em silêncio ou dormindo; dia desses cantou um trecho de um pagode de dez anos atrás. Foi a primeira e única vez que entendi suas palavras. Brinca com latinhas e água de sarjeta. Lava o rosto e as mãos com água da sarjeta. Nunca o vi com uma roupa diferente da sua calça preta e blusa preta. Será que são pretas mesmo? Será que são únicas ou várias idênticas? Há poucos dias, descobri que à noite fica na rua ao lado. Uma vez, com um copo na mão, outra conversando com outro cara (a primeira vez que o vi conversando) em frente à Lanchonete Angolana.

anúncios irritantes

Estes dias, do ônibus, vi um anúncio bem grande no alto de um edifício - “VISA / Porque a vida é agora” - e percebi algo: como odeio estes tipos de anúncio. Lembrei de outro que era obrigada a ler em Florianópolis toda vez que ia ao centro da cidade: “Porque escola é Solução”. Dentre os detestáveis também estão os do tipo: “É gripe? Benegripe” ou “Cabelos Brancos? Não os tenha. Loção Nova”. Caramba! Além de eu não ter perguntado nada, eles me socam a resposta! Goela adentro! Vou vomitar.

rio

As crianças de São Paulo convivem, desde cedo, com um rio que fede. Para elas, isto deve ser natural. Passam pelo rio com grande indiferença, ignorando seu cheiro, sua cor e o fato de que ele já foi limpo e cristalino um dia. Já passaram por ele muitas vezes e sabem que vão passar no dia seguinte. Estranhamento diário é besteira, além do mais, quando elas nasceram, ele já era assim. Observo agora umas crianças de uma pequena cidade do interior dentro de um carro, chegando na capital a passeio. É uma tarde quente e ensolarada e os vidros estão abertos. Sabem que vão contornar o famoso rio que fede e isso causa grande alvoroço no veículo. O rio é um grande ponto turístico e, para enaltecê-lo, elas não fazem por menos: com gestos exagerados fecham os vidros rapidamente, tapam os narizes, prendem a respiração e simulam uma sensação de sufoco. Agitadas e com olhares deslumbrados dizem: “Eca!”