Pular para o conteúdo principal

currículo paulistano

No ano passado cheguei em São Paulo dois dias depois do aniversário da cidade. Peguei apenas os resquícios da festa dos 450 anos. Foi este, então, o primeiro aniversário de São Paulo que acompanhei de perto, e bem de perto por sinal, pois moro a duas ruas da Avenida Paulista, onde acontece uma grande festa.
Saí de casa e vi apenas uma pequena alteração no movimento da região. Algumas barracas de cachorro-quente instaladas nas esquinas, pessoas chegando para o evento e a rota de ônibus desviada: todos passando em frente à minha casa. O céu cinza, nublado.
Entrei no Center 3: movimento normal. “Ué? Cadê a muvuca, a multidão, a confusão, que nem eu vejo na TV? Já sei: quando chegar na Paulista, vou levar um susto, não vai dar nem para andar!” Fui pela Augusta e quando vi a Paulista: deserta!
Percebi que o show era mais distante, lá pela altura do Trianon-Masp. (Que coincidência: no momento em que escrevo toca Adoniram – “Arnesto nos convidou”, Iracema e As mariposa)
E não dava para chegar pela Paulista, pois estava interditada. De longe vi um grande bolo inflável e o palco montado. Me informaram: “tem que ir pela rua de baixo”. Uns pingos já caiam, mas decidi ir andando em direção ao evento, afinal era o meu primeiro aniversário de São Paulo e eu estava em plena Paulista!
Na Alameda Santos, senti melhor o clima da festa. Calçadas forradas de vendedores e um movimento de pessoas que crescia conforme se aproximava a entrada do show. Percorri diversos quarteirões até encontrar a entrada. Um grupo de bêbados batucava e cantava, repassando uma bebida colorida. Um aglomerado de gente tentava passar por uma pequena abertura, como um monte de areia tentando passar por um funil. Infiltrei-me e ao passar para o lado de dentro fui revistada por policiais. A população lá dentro era predominantemente masculina, porém havia também mulheres, velhos e crianças. Em toda a parte, meninas com calças de skatista, mostrando parte da calcinha, ou cueca, como preferirem, com cintos amarrados, tatuagens, piercings e dreads nos cabelos. Colares de sementes enfeitavam pescoços dos mais variados donos.
“Agora, Cidade Negra”, logo ouvi o aviso. “Por que não! Vou ficar para este show”. Dancei e cantei as músicas da adolescência. A chuva ameaçou engrossar, mas vacilou. Não pude mais desprezar o moço que acabara de passar por mim vendendo capas de chuva. Fui atrás dele e garanti a minha. Em boa hora. A chuva despencou depois com toda a vontade e o vocalista incentivava o pessoal a achar legal ficar todo ensopado. E não foi difícil, afinal estamos acostumados a ver na TV aqueles shows onde a platéia toma chuva e continua lá, firme e forte. E depois um repórter dirá: “e nem a chuva espantou a multidão, que comemorava...”
Éramos todos personagens, vibrando cada vez que a chuva aumentava. Estávamos fazendo o nosso papel. Inclusive eu. E posso dizer que foi divertido encarar o personagem que toma chuva no show. Dividindo a mesma experiência com milhares de pessoas ao mesmo tempo. “Vamos gritar, pessoal: Viva São Paulo. EEEEEE”
Depois de levar alguns sustos com o recuo rápido de pessoas por causa das brigas, pensei: “será que a chuva ajuda a inibir ou a provocar brigas? Será que os nervosinhos ficam mais acuados ou ficam com os hormônios a flor da pele, já que estão irritados por estarem molhados? O que os meus cachorros fariam na chuva?” Lembro que uma vez começaram a brigar de arrancar sangue um do outro e jogamos água neles: não adiantou nada. Bem, minha pesquisa sobre a relação entre a chuva e a agressividade ficou sem conclusão. Na verdade, depois eu é que fiquei irritada com a chuva e com os sustos levados por causa das brigas, apesar de terem sido apenas duas. Resolvi ir embora. Não fiquei para o show do Fala Mansa.
Voltei para a casa com uma capa de chuva transparente e uma experiência a mais no meu currículo de paulistana.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Crenças

Em um dia qualquer de trabalho, um colega que sentava ao meu lado chegou de manhã com um livro velho nas mãos. Me mostrou e perguntou se eu queria, pois ele já tinha uma edição daquele título. Havia encontrado no térreo da empresa, em uma prateleira em que os funcionários costumavam deixar livros que não queriam mais. Era No caminho de Swann, de Proust. Aceitei, já que não tinha o livro, mas um pouco descrente de que leria logo, pois andava na correria. Ao abri-lo, tive uma surpresa. Na folha de rosto, estava escrito à caneta provavelmente o nome de sua primeira dona, Rita, acompanhado de uma data: 06/06/81. Exatamente o dia em que nasci. Até prefiro ler livros mais novos, mas, depois dessa coincidência, topei em começar a ler este exemplar de páginas amareladas, manchadas e cheirando a velho. Ainda não terminei a leitura. Fiz paradas e retomadas. Em alguns momentos de extensa descrição, cheguei a me perguntar se deveria mesmo seguir, mas o meu encanto com a fineza de pensamento e d...

orkut 2

(visto de um dos ângulos) Agora os fazendeiros estão fazendo o rastreamento de sua boiada, uma exigência do governo para a exportação. Os seres humanos também gostam de fazer parte de um sistema de rastreamento. Um deles para mim, é um orkut. Mas isso, eles fazem por conta própria. "Sou como rês (...) desta multidão boiada, caminhando a esmo" Me perguntaram: Você conversa com estas pessoas da sua lista do orkut? Respondi: Praticamente não. É como uma carteira onde você guarda as fotos dos seus amigos.

duas passantes e um passante

Por que observo tantas coisas do ônibus? É claro! Não tenho a preocupação de dirigir, portanto, posso ficar com a cara encostada na janela olhando calmamente o que se passa lá fora. Nesta semana, duas passantes me chamaram a atenção. Talvez porque ambas estivessem de calça e sapatos pretos, diferenciando-se entre si apenas pela cor das blusas e dos cabelos: a loira vestia blusa laranja e a morena, azul. Além do mais, a calçada estava vazia e as duas passeavam de braços dados. Não pareciam lésbicas e sim, amigas queridas. Eis que um homem vem em direção às duas; passa por elas e as olha. Assim que elas ficam para trás, ele dá mais uns dois passos e vira a cabeça para trás, mirando sem hesitar na bunda das moças. Distraídas, provavelmente elas nem imaginam que as suas traseiras estavam sendo examinadas. Já vi este tipo de cena várias vezes, em diferentes cidades, geralmente do ônibus. Parece ser mais forte que eles. É como se ao ver a frente de uma mulher interessante, um ímã puxasse a ...