(Para entender o título, leia o post anterior)
Não ando escutando o que vejo. Onde foram parar os momentos de contemplação durante as viagens de ônibus, durante o caminhar na rua? Onde foram parar as observações, os momentos de sensibilidade que alimentavam este blog?
São raros os momentos em que escuto o que vejo, e mesmo quando isso acontece, as idéias viram bilhetinhos, anotações em agendas, em murais, chegam até virar frases soltas em arquivos do computador, mas há tempo que não saem disso. Muitas são abortadas de início, sem tempo de se desenvolverem ao menos um pouquinho. Outras se perdem por aí, ficam na espera; às vezes se cansam e vão viajar, outras se perdem. E eu sou cúmplice. Sei o que acontece, mas deixo.
O tempo de contemplação no ônibus virou hora de dormida automática. Momento único no dia de aproveitar a carência de sono que parece nunca cessar. Posição sentada, banco duro, balanço, barulho, o transitar de pessoas não são mais obstáculos. Em poucos minutos o corpo adormece e só acorda de vez poucos segundos antes do ponto final. Passar do ponto sem querer? Não! Não temos tempo a perder.
Não há mais tempo para ter receio de se misturar àqueles dormidores profissionais de ônibus. A cabeça balançando conforme o movimento do transporte público, de forma natural. Outras cabeças com o pescoço voltado para trás, a boca aberta. Outras quase pendendo no ombro do passageiro ao lado, porém, devido a uma habilidade sem igual, não chegam a encostar. Quando estão quase no ponto de tocar o ombro alheio, o movimento do ônibus e a vigília os levam de repente para o lado oposto.
Se abro os olhos de relance, é a cena que vejo ao meu redor. Olhos fechados, pescoços inclinados, e as cabeças balançando... para lá e para cá... para lá, e para cá... até que os olhos se abram assustados, descobrindo que o ponto de descer está próximo.
Faz tempo que não vejo do ônibus aqueles homens na calçada que passam por uma mulher e depois olham para trás para olhar a sua bunda. E mesmo se visse, talvez não encontrasse tempo para escrever sobre o assunto. A enxurrada de atividades do dia quase não permite... ela nos vai empurrando, empurrando... e a gente deixa. Eu deixo. A agitação, a correria viraram porto seguro, o nosso lar. O que fazer sem elas?
Assim sobra tempo demais para pensar... e isso pode dar medo. Sobra tempo demais para escrever... e aí? O que fazer com todo esse tempo de solidão? Que tipo de pensamentos virão? Que tipo de texto sairá?
Mas os momentos de coragem existem... eu sei que existem porque este texto está aqui. As pessoas gostando ou não. Eu gostando ou não. Hoje o fio da idéia passou por mim e eu o peguei. Me concentrei para não perdê-lo durante a caminhada para casa. Penso em quantas vezes não o vi, ou quantas vezes cheguei a pegá-lo, mas logo larguei. A mulher vestida de noiva caminhando ao léu na Paulista, às duas da tarde, sozinha e em dia útil, a mulher que briga com o motorista se o sinal fecha e ele não conseguiu passar; essas e outras cenas estão por aí. Imagino um leitor falando: “Não faça isso, não nos abandone.” Provavelmente não tenho notado sua voz. E então ficamos distantes. Mas sei que podemos nos aproximar novamente. Sei que o fio da idéia está por perto e, se prestarmos atenção, podemos pegá-lo. Pode ser o início de uma grande amizade.
texto escrito em 12/4, de madrugada
relido hoje
Não ando escutando o que vejo. Onde foram parar os momentos de contemplação durante as viagens de ônibus, durante o caminhar na rua? Onde foram parar as observações, os momentos de sensibilidade que alimentavam este blog?
São raros os momentos em que escuto o que vejo, e mesmo quando isso acontece, as idéias viram bilhetinhos, anotações em agendas, em murais, chegam até virar frases soltas em arquivos do computador, mas há tempo que não saem disso. Muitas são abortadas de início, sem tempo de se desenvolverem ao menos um pouquinho. Outras se perdem por aí, ficam na espera; às vezes se cansam e vão viajar, outras se perdem. E eu sou cúmplice. Sei o que acontece, mas deixo.
O tempo de contemplação no ônibus virou hora de dormida automática. Momento único no dia de aproveitar a carência de sono que parece nunca cessar. Posição sentada, banco duro, balanço, barulho, o transitar de pessoas não são mais obstáculos. Em poucos minutos o corpo adormece e só acorda de vez poucos segundos antes do ponto final. Passar do ponto sem querer? Não! Não temos tempo a perder.
Não há mais tempo para ter receio de se misturar àqueles dormidores profissionais de ônibus. A cabeça balançando conforme o movimento do transporte público, de forma natural. Outras cabeças com o pescoço voltado para trás, a boca aberta. Outras quase pendendo no ombro do passageiro ao lado, porém, devido a uma habilidade sem igual, não chegam a encostar. Quando estão quase no ponto de tocar o ombro alheio, o movimento do ônibus e a vigília os levam de repente para o lado oposto.
Se abro os olhos de relance, é a cena que vejo ao meu redor. Olhos fechados, pescoços inclinados, e as cabeças balançando... para lá e para cá... para lá, e para cá... até que os olhos se abram assustados, descobrindo que o ponto de descer está próximo.
Faz tempo que não vejo do ônibus aqueles homens na calçada que passam por uma mulher e depois olham para trás para olhar a sua bunda. E mesmo se visse, talvez não encontrasse tempo para escrever sobre o assunto. A enxurrada de atividades do dia quase não permite... ela nos vai empurrando, empurrando... e a gente deixa. Eu deixo. A agitação, a correria viraram porto seguro, o nosso lar. O que fazer sem elas?
Assim sobra tempo demais para pensar... e isso pode dar medo. Sobra tempo demais para escrever... e aí? O que fazer com todo esse tempo de solidão? Que tipo de pensamentos virão? Que tipo de texto sairá?
Mas os momentos de coragem existem... eu sei que existem porque este texto está aqui. As pessoas gostando ou não. Eu gostando ou não. Hoje o fio da idéia passou por mim e eu o peguei. Me concentrei para não perdê-lo durante a caminhada para casa. Penso em quantas vezes não o vi, ou quantas vezes cheguei a pegá-lo, mas logo larguei. A mulher vestida de noiva caminhando ao léu na Paulista, às duas da tarde, sozinha e em dia útil, a mulher que briga com o motorista se o sinal fecha e ele não conseguiu passar; essas e outras cenas estão por aí. Imagino um leitor falando: “Não faça isso, não nos abandone.” Provavelmente não tenho notado sua voz. E então ficamos distantes. Mas sei que podemos nos aproximar novamente. Sei que o fio da idéia está por perto e, se prestarmos atenção, podemos pegá-lo. Pode ser o início de uma grande amizade.
texto escrito em 12/4, de madrugada
relido hoje
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