Desci do ônibus, no meio do caminho entre Augusta e Consolação. Por qual das duas seguir? "Ah, Consolação de novo, não". Direcionei-me para a Augusta. Pela calçada, passo em frente a um homem, velho, de barbas compridas e brancas, sentado no chão. Olho discretamente para ele. Não queria que ele percebesse que eu o queria olhar. Queria disfarçar minha curiosidade. Percebi que foi em vão quando escutei algo como: "Tem sobrando?". Não sei ao certo se foi isso que ele falou. Só sei que em centésimos de segundos eu já estava com uma expressão de quem pede clemência, respondendo: "Não, não tenho". Com a mesma velocidade, voltei o rosto a para frente, continuando a caminhada. O gesto foi rápido, mas a reverberação em meu coração foi mais lenta.
Queria que fosse ignorado o fato de que eu estava em pé e ele sentado no chão sujo. Queria que não me fizesse pensar se eu tinha ou não algo sobrando. E se, em relação a ele, eu tinha algo sobrando. E o pior é que o homem disse a tal frase de um jeito que parecia mais oferecer algo a mim do que realmente pedir. Afinal, o que ele dissera, na verdade? Será que eu que inventara a pergunta "Tem sobrando?" por imaginar que provavelmente ele me pediria algo? A dúvida ficou.
Duas semanas depois, estou no mesmo ponto. "A Augusta hoje vale mais a pena", me decidi. Caminhando pela mesma calçada, enxergo lá na frente o homem, sentado no chão, em frente ao mesmo portão da outra vez. Só que agora ele está rodeado de pombos. Uns dois estão em seu braço, outro se sustenta no no dorso de sua mão e uns quatro passeiam pelo chão. Vou me aproximando e, quando chego em frente, tento dar a mesma olhada discreta, apesar de que minha vontade é ficar observando durante horas, conversar com o homem, saber se ele alimenta os pombos, saber se sempre está lá. Novamente minha tentativa de discrição foi em vão. Ouço novamente a sua voz: "Oi!". Voltando-me para ele, respondo sem ter tempo para pensar: "Oi". Nas frações de segundo em que olhei para ele, não pude escapar de me fixar em seus olhos, que sorriam como criança, perto das rugas e da barba comprida e branca. Logo voltei o rosto para a frente, sentindo-me um muro de pedras achatadas pelo sorriso do homem.
Ao dobrar a esquina, pensei: "Acho que, se um dia ele se for, os pombos vão sentir sua falta".
Queria que fosse ignorado o fato de que eu estava em pé e ele sentado no chão sujo. Queria que não me fizesse pensar se eu tinha ou não algo sobrando. E se, em relação a ele, eu tinha algo sobrando. E o pior é que o homem disse a tal frase de um jeito que parecia mais oferecer algo a mim do que realmente pedir. Afinal, o que ele dissera, na verdade? Será que eu que inventara a pergunta "Tem sobrando?" por imaginar que provavelmente ele me pediria algo? A dúvida ficou.
Duas semanas depois, estou no mesmo ponto. "A Augusta hoje vale mais a pena", me decidi. Caminhando pela mesma calçada, enxergo lá na frente o homem, sentado no chão, em frente ao mesmo portão da outra vez. Só que agora ele está rodeado de pombos. Uns dois estão em seu braço, outro se sustenta no no dorso de sua mão e uns quatro passeiam pelo chão. Vou me aproximando e, quando chego em frente, tento dar a mesma olhada discreta, apesar de que minha vontade é ficar observando durante horas, conversar com o homem, saber se ele alimenta os pombos, saber se sempre está lá. Novamente minha tentativa de discrição foi em vão. Ouço novamente a sua voz: "Oi!". Voltando-me para ele, respondo sem ter tempo para pensar: "Oi". Nas frações de segundo em que olhei para ele, não pude escapar de me fixar em seus olhos, que sorriam como criança, perto das rugas e da barba comprida e branca. Logo voltei o rosto para a frente, sentindo-me um muro de pedras achatadas pelo sorriso do homem.
Ao dobrar a esquina, pensei: "Acho que, se um dia ele se for, os pombos vão sentir sua falta".
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