Há um tempo lembrei de uma história e pensei em contar aqui. Ficou no pensamento até agora, pois havia esquecido de contá-la. Ontem a noite, intermediada por horripilantes sessões de tosses, lembrei dela de repente. E hoje, se alguma vozinha interior perguntou “ei, você não vai contar a história?”, fingi que não era comigo. Mas não consegui mais evitar quando até o filme que acabei de ver no cinema me perguntou: “ e a história, hein?”
Sim, porque o filme era sobre um menino surdo e a minha história também. Não sobre um menino, mas uma menina. Nossa mente tem destas coisas. Eis que um dia você lembra de um fato da sua vida que parecia ter sido esquecido para sempre. E no meu caso, foi a lembrança da convivência com esta menina, surda e muda, que estudou comigo durante a terceira série, numa escola que inaugurava naquele ano. Lembro que toda a turma aprendeu a linguagem dos sinais por causa dela, mas o importante mesmo era incentivar Vanessa a nos ouvir e a falar. Com o tempo já entendíamos quase sem problemas quase tudo o que ela dizia. Lembro o dia em que ela fez a leitura de um texto na sala e o seu desempenho foi tão bom que quando ela terminou a turma, em sinal de reconhecimento, começou a aplaudi-la.
Vanessa tinha uma beleza encantadora: magra, cabelos lisos, longos e loiros, grandes olhos azuis, e com o tempo tornou-se minha amiga. Às vezes eu passava na casa dela, que era pequena e ficava ao fundo de outra casa. Às vezes ela ia à minha.
Um dia, no meu quarto, ela encontrou umas canetinhas que eu tinha ganhado de uma tia que havia estado em Ponta Porã. Naquela época, estas coisinhas importadas eram muito mais raras do que hoje, e para as crianças, era praticamente um artigo de luxo. Eram quatro canetinhas: uma azul, uma vermelha, uma rosa e uma amarela. Todas em forma de bengala, com desenhos, se não me engano, da Hello Kitty e um coraçãozinho pendurado na tampa. Foi o suficiente para Vanessa se encantar e me pedir uma. Neguei, pois como disse há pouco, eram valiosíssimas. Ela insistiu, fez birra, fez propostas, mas eu me mantinha impassível. Até que ela se despediu.
Depois de um tempo, o interfone tocou e Vanessa entrou com sua bicicletinha. Trouxe umas oito coisinhas e me propunha uma troca. Lembro que era um monte de trequinhos que eu não tinha o mínimo interesse e nem sabia onde guardá-los. Um pequeno smurf de borracha, uma embalagem bonitinha de balas vazia e coisas do tipo. Voltei a recusar. Aonde chega a teimosia de uma criança? Vanessa, sem sucesso, voltou para casa.
Lembro que depois fui brincar na casa de uma prima. Já havia me esquecido da história, quando o telefone tocou. Era minha mãe: “Lúcia, a Vanessa está aqui na frente”. Neste momento me espantei. Acho que não imaginava que alguém pudesse ser tão persistente. Disse então: “fala para ela pegar a amarela”. E era a cor que eu menos gostava. Pronto, Vanessa havia conseguido. No dia seguinte de aula, lá estava ela, como sempre na primeira carteira, exibindo feliz da vida a caneta e enfeitando o seu caderno. Fiquei feliz também. Não tenho mais os brinquedinhos que ela me deixou e imagino que ela também não tenha mais a canetinha.
Na quarta série, voltei para minha antiga escola. Vi Vanessa mais algumas vezes e depois não mais. Faço as perguntas naturais de quem não tem mais notícias de uma pessoa: Por onde anda a Vanessa? O que faz da vida hoje? Onde mora? Será que continuou a estudar? Casou? Tem filhos? Será que lembra de mim? Sim, talvez qualquer dia ela se depare com algo ou com alguém que a faça lembrar de mim. E da mesma forma que eu não saiba como a lembrança lhe veio.
Sim, porque o filme era sobre um menino surdo e a minha história também. Não sobre um menino, mas uma menina. Nossa mente tem destas coisas. Eis que um dia você lembra de um fato da sua vida que parecia ter sido esquecido para sempre. E no meu caso, foi a lembrança da convivência com esta menina, surda e muda, que estudou comigo durante a terceira série, numa escola que inaugurava naquele ano. Lembro que toda a turma aprendeu a linguagem dos sinais por causa dela, mas o importante mesmo era incentivar Vanessa a nos ouvir e a falar. Com o tempo já entendíamos quase sem problemas quase tudo o que ela dizia. Lembro o dia em que ela fez a leitura de um texto na sala e o seu desempenho foi tão bom que quando ela terminou a turma, em sinal de reconhecimento, começou a aplaudi-la.
Vanessa tinha uma beleza encantadora: magra, cabelos lisos, longos e loiros, grandes olhos azuis, e com o tempo tornou-se minha amiga. Às vezes eu passava na casa dela, que era pequena e ficava ao fundo de outra casa. Às vezes ela ia à minha.
Um dia, no meu quarto, ela encontrou umas canetinhas que eu tinha ganhado de uma tia que havia estado em Ponta Porã. Naquela época, estas coisinhas importadas eram muito mais raras do que hoje, e para as crianças, era praticamente um artigo de luxo. Eram quatro canetinhas: uma azul, uma vermelha, uma rosa e uma amarela. Todas em forma de bengala, com desenhos, se não me engano, da Hello Kitty e um coraçãozinho pendurado na tampa. Foi o suficiente para Vanessa se encantar e me pedir uma. Neguei, pois como disse há pouco, eram valiosíssimas. Ela insistiu, fez birra, fez propostas, mas eu me mantinha impassível. Até que ela se despediu.
Depois de um tempo, o interfone tocou e Vanessa entrou com sua bicicletinha. Trouxe umas oito coisinhas e me propunha uma troca. Lembro que era um monte de trequinhos que eu não tinha o mínimo interesse e nem sabia onde guardá-los. Um pequeno smurf de borracha, uma embalagem bonitinha de balas vazia e coisas do tipo. Voltei a recusar. Aonde chega a teimosia de uma criança? Vanessa, sem sucesso, voltou para casa.
Lembro que depois fui brincar na casa de uma prima. Já havia me esquecido da história, quando o telefone tocou. Era minha mãe: “Lúcia, a Vanessa está aqui na frente”. Neste momento me espantei. Acho que não imaginava que alguém pudesse ser tão persistente. Disse então: “fala para ela pegar a amarela”. E era a cor que eu menos gostava. Pronto, Vanessa havia conseguido. No dia seguinte de aula, lá estava ela, como sempre na primeira carteira, exibindo feliz da vida a caneta e enfeitando o seu caderno. Fiquei feliz também. Não tenho mais os brinquedinhos que ela me deixou e imagino que ela também não tenha mais a canetinha.
Na quarta série, voltei para minha antiga escola. Vi Vanessa mais algumas vezes e depois não mais. Faço as perguntas naturais de quem não tem mais notícias de uma pessoa: Por onde anda a Vanessa? O que faz da vida hoje? Onde mora? Será que continuou a estudar? Casou? Tem filhos? Será que lembra de mim? Sim, talvez qualquer dia ela se depare com algo ou com alguém que a faça lembrar de mim. E da mesma forma que eu não saiba como a lembrança lhe veio.
Comentários
Belo post. E, valeu pelo aviso, assisti ao Abel.
Abraço