Grande parte das mulheres que conheço adoraram filmes como O Diário de Bridget Jones ou O Fabuloso Destino de Amélie Poulain; eu sou uma delas. Pode ser que o leitor ache um desses muito melhor que o outro, ou não goste mesmo de nenhum deles. Eu os cito porque acho que têm algo em comum, e uma dessas coisas é que ambos conseguem mostrar de forma bonita ou mesmo divertida as situações chatas, tediosas por que passamos no dia-a-dia. Conseguem até tornar admiráveis nossas esquisitices. Aquela anônima noite de sábado que você passa sozinha em casa sem que ninguém se lembre de sua existência no cinema se transforma numa bonita cena vista por milhares de expectadores. Quantos não viram Bridget Jones se entupir de sorvete em frente à TV e cantar "All by myself"? Eu, por exemplo, que numa solitária noite de sábado escrevo isto aqui no meu micro, comendo torradas com o resto de patê que sobrou da festinha de quinta-feira, estaria sendo vista com simpatia por milhares de pessoas. Por isso, decidi bolar aqui, um roteiro de cinema para mim. Sim, e, o máximo que puder, vou tentar preencher os requisitos exigidos para uma típica personagem de cinema.
O filme poderia, por exemplo, começar com a personagem no elevador, chegando depois de um cansativo dia de trabalho e de estudos. E para seguir a regra, ela tem que ter um vizinho estranho. Eu tenho um vizinho estranho, e, por coincidência, pego muito o elevador com ele. Ele mora no meu andar. Às vezes ele vê que vou subir e pede para eu esperá-lo. Então ele vem correndo, pesadamente, até o elevador. Chega ofegante, como sempre, e conta, com pausas excessivas para respirar, as histórias da rua naquele dia. Ele anda o dia todo pelo bairro, conversando com o dono da banca, com os taxistas, com o porteiro. Sempre me diz que está gordo, e ele está mesmo muito, muito gordo, e que o médico disse que ele tem de operar. Às vezes lembra de dizer que sua tia lava roupa, e que se eu estiver interessada... Outro dia subi com um copo de refrigerante, e ele, cansado, suado e ofegante como sempre, pediu um gole. Resolvi deixar o copo com ele, ele pegou e nada falou. Saiu tomando quando abrimos a porta do elevador.
Ao chegar em casa, deparo-me com uma situação nova na minha vida. Meu irmão mais novo veio morar comigo, no meu grande apartamento de um quarto. Agora ele mora na sala. No início, houve disputa de território, medição de força. As brigas estavam tornando-se violentas e cheguei a ficar preocupada com o nosso futuro, mas felizmente nada ruim aconteceu. Percebi que apesar de anos mais novo, ele é muito mais forte do que eu, e tive, então, de recuar. E ele percebeu que se ele não cedesse também, teria que lidar com a minha admirável capacidade de irritá-lo. Como seres sensatos, hoje vivemos numa razoável paz. E ele às vezes chega a trazer lanches para mim enquanto estou no micro.
Bem, mas todos esses detalhes poderiam cansar o expectador, e devem ter cansado você, leitor que ainda não parou de ler isto aqui.
Por isso, a personagem poderia já estar em casa e enquanto isso seu irmão estaria cantando por perto as músicas que ele aprendeu no cursinho para melhor gravar o conteúdo da matéria: “Se você comeu um bife/você comeu proteína/ forma amônia e uréia/ e esses saem pela urina” (cantar com melodia de Parabéns para você). E é isso que ela escuta várias noites, numa voz meio desafinada de adolescente, competindo com a música clássica da rádio Cultura FM, que ela põe para tocar quase toda noite. Quando ele não canta as músicas do cursinho, gosta de repetir sempre o mesmo refrão de Chico Buarque: “Quando você me deixou meu bem, me disse para ser feliz e passar bem”. E ela inevitavelmente é induzida a lembrar da desagradável situação do fim de seu namoro, ocorrido há menos de três meses. Ah! Havia esquecido de dizer: como toda típica personagem desses filmes, a minha personagem encontra-se solteira também e passou por desilusões amorosas.
(continua em algum capítulo posterior... pelo menos é o que pretendo)
O filme poderia, por exemplo, começar com a personagem no elevador, chegando depois de um cansativo dia de trabalho e de estudos. E para seguir a regra, ela tem que ter um vizinho estranho. Eu tenho um vizinho estranho, e, por coincidência, pego muito o elevador com ele. Ele mora no meu andar. Às vezes ele vê que vou subir e pede para eu esperá-lo. Então ele vem correndo, pesadamente, até o elevador. Chega ofegante, como sempre, e conta, com pausas excessivas para respirar, as histórias da rua naquele dia. Ele anda o dia todo pelo bairro, conversando com o dono da banca, com os taxistas, com o porteiro. Sempre me diz que está gordo, e ele está mesmo muito, muito gordo, e que o médico disse que ele tem de operar. Às vezes lembra de dizer que sua tia lava roupa, e que se eu estiver interessada... Outro dia subi com um copo de refrigerante, e ele, cansado, suado e ofegante como sempre, pediu um gole. Resolvi deixar o copo com ele, ele pegou e nada falou. Saiu tomando quando abrimos a porta do elevador.
Ao chegar em casa, deparo-me com uma situação nova na minha vida. Meu irmão mais novo veio morar comigo, no meu grande apartamento de um quarto. Agora ele mora na sala. No início, houve disputa de território, medição de força. As brigas estavam tornando-se violentas e cheguei a ficar preocupada com o nosso futuro, mas felizmente nada ruim aconteceu. Percebi que apesar de anos mais novo, ele é muito mais forte do que eu, e tive, então, de recuar. E ele percebeu que se ele não cedesse também, teria que lidar com a minha admirável capacidade de irritá-lo. Como seres sensatos, hoje vivemos numa razoável paz. E ele às vezes chega a trazer lanches para mim enquanto estou no micro.
Bem, mas todos esses detalhes poderiam cansar o expectador, e devem ter cansado você, leitor que ainda não parou de ler isto aqui.
Por isso, a personagem poderia já estar em casa e enquanto isso seu irmão estaria cantando por perto as músicas que ele aprendeu no cursinho para melhor gravar o conteúdo da matéria: “Se você comeu um bife/você comeu proteína/ forma amônia e uréia/ e esses saem pela urina” (cantar com melodia de Parabéns para você). E é isso que ela escuta várias noites, numa voz meio desafinada de adolescente, competindo com a música clássica da rádio Cultura FM, que ela põe para tocar quase toda noite. Quando ele não canta as músicas do cursinho, gosta de repetir sempre o mesmo refrão de Chico Buarque: “Quando você me deixou meu bem, me disse para ser feliz e passar bem”. E ela inevitavelmente é induzida a lembrar da desagradável situação do fim de seu namoro, ocorrido há menos de três meses. Ah! Havia esquecido de dizer: como toda típica personagem desses filmes, a minha personagem encontra-se solteira também e passou por desilusões amorosas.
(continua em algum capítulo posterior... pelo menos é o que pretendo)
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