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as janelas e seus donos

As janelas dos dois prédios se olham, seriam idênticas, se não fosse a peculiaridade de seus donos. A minha é antiga, dividida em duas partes pesadas que correm para cima e para baixo. Quando me mudei, quebrei o vidro, pois uma das partes emperrou e depois desceu com tudo até o parapeito.
Ela oferece duas opções: ou está aberta, com uma "fresta" de quase um metro, ou está totalmente fechada. Os moradores inventam os mais variados acessórios para conseguirem um meio termo. Os objetos mais sofisticados são uns triângulos de madeira que seguram uma das vidraças e possibilitam que a "fresta" seja realmente uma fresta, cumprindo o seu objetivo que é apenas ventilar a casa. O velho que escreve com uma máquina de escrever, lá de baixo, usa listas telefônicas. Tem um apartamento que usa ripas de madeira, amarradas por uma cordinha. Gostei da idéia de um dos meus vizinhos que colocou um rolo de fita isolante para segurar a vidraça. Procurei algo em casa que poderia fazer o mesmo efeito e achei uma lata de molho de tomate do elefante. Ela ainda está fechada. Toma sol e chuva há meses. Não gosto de imaginar como pode estar o seu conteúdo.
Ontem, algo na janela em frente chamou a minha atenção: senti que a minha idéia foi incorporada. A moça colocou uma lata de nescau para criar a sua fresta. Fico imaginando se a lata dela está vazia ou cheia, como a minha. Provavelmente, vazia.
As janelas se olham e se modificam. Nunca mais vi o rolo de fita isolante, mas a minha lata é um resquício de sua existência. E agora, a lata de Nescau também tem em suas origens a minha de molho de tomate.
Não sei o que os meus vizinhos de cima e de baixo usam em suas janelas, mas os da minha frente vêem, e se eu copiar a idéia destes posso estar usando, sem saber, a idéia daqueles.

Comentários

Roberto Tostes disse…
achei muito legal este seu texto, urbano, sensivel, sutil, inteligente e simples; principalmente para quem sabe que eh preciso peneirar muito para achar um texto bem escrito neste mundo de blogs!

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