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Marte mais brilhante

Vi em jornais, recebi por e-mails a notícia de que esta noite Marte estaria tão próximo da Terra como não ficava há 5 mil anos. E diante de previsões que cogitam a possibilidade de que evento parecido pode se repetir talvez só daqui a 60 mil anos, senti-me até no dever de não desperdiçar o fenômeno. Hoje, na despedida de um amigo, algum convidado chegou a lembrar no início da festa da notícia, mas depois de horas de cervejas, cachaças, cantorias, conversas e gritarias, tenho minhas dúvidas de que alguém se lembrava que Marte estava no céu, se é que alguém se lembrava que existia céu. Eu também haveria me esquecido, se quando chegasse em casa não tivesse ouvido antes de dormir uma música que falava sobre o brilho das estrelas e da lua. Então, conferi na agenda do meu micro (sim, eu anotei)o dia e o horário do acontecimento, e me toquei que o pico do evento havia acontecido poucos minutos atrás. Olhei então para o céu entre as persianas e enxerguei somente meu armário refletido na vidraça. Levantei, encostei os olhos nos vidros para que a luz do meu quarto e nem dos outros apartamentos atrapalhassem a minha visão. Pouco adiantou; vi entre o pouco espaço que os prédios deixaram, um céu claro, quase lilás e com nuvens. Não me contentei e levantei os vidros da minha antiga janela. Coloquei a cabeça para fora e pude confirmar minha decepção: o céu estava muito claro e com muito esforço via-se o brilho de uma estrela quase escondido entre as nuvens. Um desânimo maior: nem sabia onde poderia estar Marte. Descobri depois que estaria ao Leste. Percebi que não sabia nem mais onde era o Leste. Minha única referência era a direção da Zona Leste da capital. E se o Leste estivesse do lado onde o apartamento não tinha janelas? Teria de descer para a rua e eu já estava de pijama. Com certa tristeza, então, desisti da empreitada. Perdi a oportunidade de vê-lo e acho que muitas pessoas também.
Pensei então que seria até hipocrisia me preocupar tanto com o brilho de Marte, se ultimamente mal tenho visto nesta cidade a Lua ou as estrelas. Muitas vezses por esquecer, por falta de oportunidade ou porque o céu de São Paulo não nos dá condições para isto. Tento não pensar muito nos céus que estava acostumada a ver nas cidades menores em que morei ou nas fazendas, praias ou ranchos por que passei: céus escuros, repletos de estrelas, nos quais era possível identificar facilmente as constelações.
Mas tirando a decepção, sabe o que mudou na minha vida ter perdido o evento? Penso que nada. Em um breve curso de astronomia, vi pelo telescópio dois planetas, nãosei mais dizer com certeza quais. Foi muito bonito e emocionante, mas se nunca os tivesse visto, provavelmente nem sentiria a falta desta experiência. E quando penso que o evento de Marte pode tornar a se repetir só daqui a 60 mil anos, lembro de quantos eventos que poderão nunca mais se repetir que nós não participamos. Cada ser humano nasce apenas uma vez e acredito que cada um nunca será igual ao outro. Portanto, este é um evento único em toda a eternidade.
A despedida do meu amigo que irá morar em Londres não se repetirá mais, pelo menos não mais deste jeito. E tenho certeza faria muito mais falta para mim ter perdido esta festa do que a aproximação de Marte. Sim, sentirei inúmeras vezes mais falta do meu amigo, do qual gosto e costumo ver com certa freqüência, quando ele estiver em outro país do que Marte, quando voltar a se afastar da Terra, e não importa quantos anos-luz isto seja.

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