Hoje vou falar dum lado feio. Afinal, quem eu quero impressionar? Como quase todos os dias, saio atrasada de casa. Pretendo falar sobre isso ainda num post posterior. Saio correndo até o elevador. Se ele não está no meu andar, espero ansiosa. Saio correndo, o que provavelmente faz o porteiro se apressar para mandar abrir o portão. Do portão, saio correndo até a esquina, para atravessar a rua. Se o sinal está fechado, espero ansiosa. E às vezes, se estou distraída e vejo alguém atravessar a rua, vou junto na inércia, sem me tocar se o semáforo está verde ou vermelho. Quando me toco que está vermelho, fico brava, pois percebi que nem me toquei direito do que estava fazendo.
Bem... mas então assim que o sinal fica verde, eu saio em disparada como uma boiada que passa por uma porteira aberta. Corro o quanto posso até o metrô. Quando estou muito atrasada, não me satisfaz o ritmo da escada rolante. Na escada rolante, vou descendo os degraus, e já tirando o bilhete da bolsa, para não perder tempo. Passo pela catraca e tenho mais uma escada rolante pela frente. Geralmente esta já é mais lotada e, portanto, mais difícil de descer caminhando. Mas não desisto. Se algum distraído está encostado do lado esquerdo da escada, onde a passagem devia estar liberada, eu o desvio. E assim, vou costurando as pessoas até chegar ao trem. Se o trem está quase saindo e já deu o sinal, eu ainda tento entrar. Dou um salto e caio dentro dele. Olho o relógio e faço as contas. Poucos minutos para as 9h. Penso: “Amanhã eu saio mais cedo, acordo mais cedo, durmo mais cedo”. Enfim, quase todos os dias penso a mesma coisa. Não conto a minha saída do metrô porque, leitor, é só imaginar algo parecido com a minha chegada.
Porém, hoje teve algo que me chamou a atenção nesta minha rotina. Já estava na parte de passar pela catraca, quando me deparei com uma pequena fila. Tentei rapidamente passar para a outra catraca, porém também estava congestionada. Uma menina estava se atrapalhando para passar o bilhete e a sua amiga, logo atrás, disse: “Anda! Tem fila!” Sim, a fila era eu, que estava atrás dela, provavelmente com cara de ansiosa. Enfim, a menina passou, e então a amiga quis passar com agilidade para desbloquear o caminho e então se atrapalhou. Gostaria de ressaltar que tudo isso deve ter durado cerca de alguns segundos, mas para a cabeça de alguém que está com pressa, a mesma cena parece durar muito mais tempo. Observei o que estava dificultando sua passagem. Ela estava tentando inserir o passe virado para baixo. Pensei em avisá-la, mas a pressa era tamanha que pensei que um aviso como “é para cima” poderia demorar demais. Mas também não tive muito tempo para pensar, já que a menina, diante de sua confusão, desistiu brevemente de passar o bilhete e abriu caminho. O que fiz? Passei. E passei com pressa. Foi tudo muito rápido, mas enquanto descia correndo a escada rolante, a cena da mão da menina, tentando fazer a máquina engolir o seu bilhete de cabeça para baixo ficava na minha cabeça. Eu não falara nada. Uma tristeza me invadiu. Eu não falara nada à ela. Como eu não falei nada? O que custava eu falar algo? Dar uma dica? Eu sabia como ajudá-la e não ajudei. Ela se preocupou com a minha pressa. E eu a deixei com o seu problema, tão fácil de resolver... Sem contar que os amigos dela, que já haviam passado pela catraca, riram dela quando ela teve de abrir caminho.
Senti-me mal. Senti-me como aquelas pessoas que tanto critiquei que ficam na escada rolante obstruindo o lado reservado para a passagem. Senti-me como aquelas pessoas que não esperam os outros descerem do trem para entrar, e assim vão entrando, empurrando as outras com o corpo, indiferentes, como se os outros fossem apenas alguma coisa feita para atrapalhar a sua entrada. Lembrei-me daquelas pessoas que num metrô lotado sentam no banco reservado para idosos, como se nada tivesse acontecendo. Lembrei-me dessas pessoas que de tanto fazer o mesmo caminho todo os dias, de tanto ver todos os dias tanta gente (e é tanta gente!), já não olham mais para o lado, não olham mais ao redor, não olham mais. Seus movimentos são quase automáticos, seus ouvidos estão voltados para a sua música, seus olhos estão voltados para o seu livro.
Sinto muito. Escrevo isso agora com pressa. Pressa para dormir. Os olhos ardem, a cabeça pesa. De novo a pressa.
Mas fico feliz por uma coisa. Apesar da minha atitude de hoje, eu percebi. Não saí indiferente. Triste, talvez, seja quando a gente não percebe mais.
Bem... mas então assim que o sinal fica verde, eu saio em disparada como uma boiada que passa por uma porteira aberta. Corro o quanto posso até o metrô. Quando estou muito atrasada, não me satisfaz o ritmo da escada rolante. Na escada rolante, vou descendo os degraus, e já tirando o bilhete da bolsa, para não perder tempo. Passo pela catraca e tenho mais uma escada rolante pela frente. Geralmente esta já é mais lotada e, portanto, mais difícil de descer caminhando. Mas não desisto. Se algum distraído está encostado do lado esquerdo da escada, onde a passagem devia estar liberada, eu o desvio. E assim, vou costurando as pessoas até chegar ao trem. Se o trem está quase saindo e já deu o sinal, eu ainda tento entrar. Dou um salto e caio dentro dele. Olho o relógio e faço as contas. Poucos minutos para as 9h. Penso: “Amanhã eu saio mais cedo, acordo mais cedo, durmo mais cedo”. Enfim, quase todos os dias penso a mesma coisa. Não conto a minha saída do metrô porque, leitor, é só imaginar algo parecido com a minha chegada.
Porém, hoje teve algo que me chamou a atenção nesta minha rotina. Já estava na parte de passar pela catraca, quando me deparei com uma pequena fila. Tentei rapidamente passar para a outra catraca, porém também estava congestionada. Uma menina estava se atrapalhando para passar o bilhete e a sua amiga, logo atrás, disse: “Anda! Tem fila!” Sim, a fila era eu, que estava atrás dela, provavelmente com cara de ansiosa. Enfim, a menina passou, e então a amiga quis passar com agilidade para desbloquear o caminho e então se atrapalhou. Gostaria de ressaltar que tudo isso deve ter durado cerca de alguns segundos, mas para a cabeça de alguém que está com pressa, a mesma cena parece durar muito mais tempo. Observei o que estava dificultando sua passagem. Ela estava tentando inserir o passe virado para baixo. Pensei em avisá-la, mas a pressa era tamanha que pensei que um aviso como “é para cima” poderia demorar demais. Mas também não tive muito tempo para pensar, já que a menina, diante de sua confusão, desistiu brevemente de passar o bilhete e abriu caminho. O que fiz? Passei. E passei com pressa. Foi tudo muito rápido, mas enquanto descia correndo a escada rolante, a cena da mão da menina, tentando fazer a máquina engolir o seu bilhete de cabeça para baixo ficava na minha cabeça. Eu não falara nada. Uma tristeza me invadiu. Eu não falara nada à ela. Como eu não falei nada? O que custava eu falar algo? Dar uma dica? Eu sabia como ajudá-la e não ajudei. Ela se preocupou com a minha pressa. E eu a deixei com o seu problema, tão fácil de resolver... Sem contar que os amigos dela, que já haviam passado pela catraca, riram dela quando ela teve de abrir caminho.
Senti-me mal. Senti-me como aquelas pessoas que tanto critiquei que ficam na escada rolante obstruindo o lado reservado para a passagem. Senti-me como aquelas pessoas que não esperam os outros descerem do trem para entrar, e assim vão entrando, empurrando as outras com o corpo, indiferentes, como se os outros fossem apenas alguma coisa feita para atrapalhar a sua entrada. Lembrei-me daquelas pessoas que num metrô lotado sentam no banco reservado para idosos, como se nada tivesse acontecendo. Lembrei-me dessas pessoas que de tanto fazer o mesmo caminho todo os dias, de tanto ver todos os dias tanta gente (e é tanta gente!), já não olham mais para o lado, não olham mais ao redor, não olham mais. Seus movimentos são quase automáticos, seus ouvidos estão voltados para a sua música, seus olhos estão voltados para o seu livro.
Sinto muito. Escrevo isso agora com pressa. Pressa para dormir. Os olhos ardem, a cabeça pesa. De novo a pressa.
Mas fico feliz por uma coisa. Apesar da minha atitude de hoje, eu percebi. Não saí indiferente. Triste, talvez, seja quando a gente não percebe mais.
Comentários
=D
Eu tô lendo um livro: "O fantasma na máquina". O cara, Arthur Koestler, tenta explicar cmo funcionam vários processos do pensamento à ação. E agora entra a relação com o teu texto: nos níveis mais baixos da hieraquia desses processos, qdo muito repetitivos ou usuais, normalmente acontece uma automatização. O problema é quando essa automatização invade os niveis mais altos, aí a "maquinização" do homem, quando pegar metrô, p.ex., uma atividade que envolve várias decisões, fica automática. Já não parece haver ninguém tomando decisões. Porém, lá no mais alto patamar da hieraquia, o que há não passa de uma névoa, um fantasma que aperta os botões. Ele vê uma garota sem jeito e sente-se culpado por não ter ajudado. Uma consciência ressucita e...
Pena que ainda faltam duas partes pra terminar o livro.